Cachoeirinha – Um escândalo em uma escola da rede municipal de ensino, localizada na Vila Anair, veio à tona na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa junto com outras denúncias. O caso mais grave envolve quatro estudantes e ocorreu em outubro do ano passado. Três deles cercaram um colega de 12 anos. Ele foi agarrado e colocado de joelhos enquanto um baixava as calças. A intenção do trio era forçar a prática de sexo oral, mas não obtiveram sucesso. A direção, comunicada do fato, teria dito que o agredido era o culpado e não teria tomado nenhuma medida contra o trio agressor.
A mãe do estudante deu depoimento na Comissão de Cidadania e Direitos humanos nesta quarta-feira (26) revelando que o filho, traumatizado, está passando por tratamento psicológico. O caso foi parar no Conselho Tutelar e Polícia Civil, mas não teria tido nenhum desdobramento. Dois dos estudantes deixaram a escola de ensino fundamental Tiradentes, mas o que seria o líder da agressão sexual segue no educandário como se nada tivesse acontecido.
Como aconteceu o abuso sexual
“Ele saiu do refeitório e foi até o banheiro. O banheiro estava cheio e ele ficou aguardando liberar para ele entrar. Chegou o menino … e jogou ele de joelhos segurando os braços para trás. Chegou o … e outro que não recordo o nome, tamparam a boca, seguram o pescoço, tentaram colocar as partes íntimas dele dentro da boca do meu filho, por trás. O meu filho conseguiu se soltar porque um colega dele que estava junto e também ia ao banheiro, chegou correndo e falou que ia chamar a direção”, relatou a mãe – os nomes são omitidos conforme normas do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Jovem está sem estudar e traumatizado
Segundo ela, o filho contou o ocorrido na direção e teria ouvido que ele era o culpado. “… a culpa é tua por ter ido ao banheiro. Ninguém mandou tu estar lá. Por que tu foi pra lá? Eu fui no Conselho Tutelar, na delegacia, na Smed. É como se eu não estivesse ali. É como se os direitos do meu filho não existissem. E ninguém fez nada”, disse, revelando que conseguiu afastar dois estudantes da escola. “O principal, continua”.
Ela está pagando tratamento psicológico particular para o filho “porque não confia mais” na assistência oferecida pela prefeitura. “O meu filho emagreceu horrores … O meu filho vai ter que ter acompanhamento com psiquiatra. Ele não conseguiu voltar para escola. Ele está de atestado. Eu peço a vocês que façam alguma coisa. O meu filho não pode continuar sem estudar como se nada tivesse acontecido”, pediu, a mãe, aos deputados da Comissão, salientando que na escola estão acontecendo “muitas coisas erradas”.
Orientadora educação foi punida por ajudar a família
Outra denúncia apresentada na comissão foi a do afastamento da orientadora educacional. Em documento apresentado aos deputados, o Sindicato dos Municipários (Simca), afirma que a professora foi colocada à disposição pela Smed por descontentamento da direção da escola com o atendimento que ela vinha prestando à família do estudante vítima de abuso. O caso aconteceu no dia 18 de novembro. Ela perdeu 72 horas do banco de horas correspondendo a R$ 6 mil aproximadamente. O Simca e amigos ajudaram fazendo uma vaquina para ela poder pagar as contas de final de ano. A professora também esteve na Assembleia para relatar o que aconteceu.
“Eu estava há três anos como orientadora educacional nessa mesma escola e ao longo desse ano [2024] eu tive meu trabalho cerceado em muitas ocasiões. Estavam ocorrendo algumas situações muito sérias com relação aos negros, alunos que precisam de um apoio maior … a escola não estava fazendo, realmente, o seu papel … ao longo do meu trabalho eu nunca tive uma advertência, eu era a presidente do Conselho Escolar, inclusive as verbas que precisavam ser usadas, precisavam ser assinadas por mim”, relatou.
Filha assistiu, chorando, o afastamento da mãe
Ela seguiu: “… ao longo do ano ocorreram várias situações e eu, realmente, defendia as famílias, inclusive levando para a delegacia e fazendo tudo que a lei prevê. O que aconteceu comigo: eu fui colocada à disposição em função de uma inverdade. Minha filha estudava na mesma escola e fui colocada à disposição em situação vexatória na frente de vários colegas e da minha filha, na janela, chorando e perguntando ‘o que estão fazendo com minha mãe”, contou. A professora foi removida da escola e a filha matriculada em outra, distante, obrigando longos deslocamentos diários.
Professora faz publicação em rede social contra travesti
A outra denúncia apresentada na Comissão foi de uma travesti formada na área da saúde e mestranda em Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ela foi fazer uma formação aos profissionais da escola no final de outubro do ano passado com o tema “Reafirmando o Orgulho e Combatendo a Homofobia da Escola”. Horas depois, o problema: “Uma das servidoras postou fotos no seu Facebook, postou o meu nome, as suas impressões regadas com muita transfobia e muito preconceito … marcando a escola, também”, contou, salientando que foi questionada a sua formação e a habilitação para estar na escola palestrando. O post foi apagado.
Professor permutado escolheu o cargo que queria
A última denúncia envolve uma professora que tem limitação de locomoção em uma das pernas devido a dois acidentes. Ela era a responsável pelo Plano Plurianual da Educação na escola, tratando do reforço escolar. Um professor veio de Canoas envolvendo permuta de servidores entre as prefeituras e na Tiradentes ele escolheu o que queria fazer, pegando o cargo da colega de profissão. Na direção, no final do ano ela ouviu, conforme relatou: “Não adianta fazer tudo certinho o ano todo, ser boazinha, a senhora sobrou.” Segundo ela, a secretária de Educação, Isabel Fonseca, não a recebeu em duas tentativas. “Deveria ter inclusão para professor também”, disse.
Deputados querem ouvir o prefeito e secretária
O presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, Adão Pretto Filho, vai pedir uma reunião com o prefeito Cristian Wasem e com a secretária de Educação, Isabel Fonseca. “Escutamos atentamente os encaminhamentos, acolho esse documento apresentado por vocês. Vamos encaminhar à equipe técnica da nossa Comissão, que vai tomar os devidos encaminhamentos”, disse, salientando que muitas outras escolas podem estar enfrentando situações como a da escola Tiradentes.
O que foi pedido pelo Simca
- Cobrar protocolo e/ou procedimentos a serem adotados em relação ao convívio e acolhimento de menores vítimas de abuso e cobrar medidas de reparação diante dos transtornos e prejuízos causados à mãe e ao seu filho
- A servidora responsável pela postagem transfóbica deve responder sobre essa questão dentro da administração pública. O município deve promover ações de combate a lgbtfobia no ambiente escolar, elaboração de letramento em gênero e diversidade para as escolas da rede e encaminhar uma medida de retratação em relação ao episódio ocorrido em outubro de 2024
- Reparação diante do prejuízo financeiro por consequência da retirada a servidora do seu setor de trabalho e pela matrícula imediata de sua filha no estabelecimento de ensino na qual encontra-se lotada
- Implementação das políticas de ações afirmativas a exemplo das cotas com reservas de vagas para autodeclarados pretos, pardos e indígenas
- Ações de valorização da inclusão e implementação de políticas públicas que atendam os direitos das pessoas com deficiência e cobrar medidas de reparação diante dos transtornos e prejuízos causados à servidora vítima de capacitismo
O que diz a prefeitura de Cachoeirinha:
A prefeitura de Cachoeirinha se manifestou por meio de nota enviada à reportagem às 15h50min desta quinta – confira abaixo. O ex-diretor da escola havia dito no início da tarde que iria procurar a secretária para avaliar o caso e depois decidir se fala sobre o assunto. Ele foi procurado às 15h53min, mas não respondeu. Caso responda, a matéria será atualizada.
NOTA OFICIAL DA PREFEITURA DE CACHOEIRINHA
A Prefeitura de Cachoeirinha, por meio da Secretaria Municipal de Educação, vem a público esclarecer as questões apresentadas pelo SIMCA na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos:
1. Sobre o caso envolvendo alunos da rede municipal: A Secretaria Municipal de Educação tomou conhecimento do fato em outubro de 2024 e, desde então, todas as famílias envolvidas foram ouvidas. Medidas necessárias foram adotadas para preservar a saúde mental dos alunos, incluindo a oferta de acompanhamento psicológico por servidor técnico do município e a possibilidade de transferência para outra escola. No entanto, a família que relatou o caso na Comissão optou por não aceitar as medidas ofertadas. O Conselho Tutelar e a Polícia Civil acompanham e apuram o caso, evidenciando que não houve omissão por parte do Poder Público. A Secretaria de Educação, o Conselho Tutelar e a Secretaria de Saúde seguem realizando os acompanhamentos dentro de suas respectivas competências.
2. Sobre a palestrante mencionada na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos: A Secretaria Municipal de Educação respeita a autonomia das gestões escolares na escolha das temáticas para formações continuadas. O convite realizado pela direção da escola à palestrante reforça o compromisso da instituição com a diversidade. Ressaltamos que houve uma manifestação individual de uma servidora da escola, em sua rede social pessoal, contendo críticas à palestrante, o que não representa um posicionamento institucional da escola ou da Prefeitura.
3. Sobre a lotação e atuação de profissionais da rede municipal: A lotação dos servidores segue critérios técnicos, considerando a formação e o interesse público. Existem processos administrativos e criminais em andamento envolvendo servidores, e, para resguardar a integridade das partes envolvidas, os nomes não são divulgados.
A Prefeitura de Cachoeirinha reafirma seu compromisso com a transparência, o respeito aos direitos humanos e a qualidade da educação no município. Seguimos trabalhando para garantir um ambiente escolar seguro e inclusivo para todos.
Prefeitura de Cachoeirinha