Ameaças de morte e intimidação de jornalista no dia da vergonha na Câmara

Sessão da noite desta terça-feira (17) na Câmara acabou sendo encerrada por falta de quórum provocada pela ausência de governistas
Cachoeirinha – Vergonha foi a palavra mais mencionada na Sessão da Câmara de Vereadores da noite desta terça-feira (17), quando deveria ter acontecido a eleição da Mesa Diretora para 2020. Com quase 300 pessoas lotando todo o espaço da assistência, em uma das Sessões mais lotadas do ano, vereadores do bloco governista até apareceram no prédio do Legislativo, mas se negaram em assumir suas cadeiras.
O clima estava estranho poucos minutos depois das 18 horas, horário marcado para o início dos trabalhos. No Plenário estavam os vereadores Luis Henrique Tino, Jussara Caçapava e João Tardeti quando chegaram em bloco os oposicionistas. Estavam todos juntos por uma questão de segurança devido as ameaças recebidas.
O primeiro secretário Duda Keller acabou assumindo a presidência e como Tardeti havia registrado a presença houve quórum para o início da Sessão, embora ele tivesse deixado a cadeira e rumado para o segundo andar, onde reuniões passaram a acontecer. Logo em seguida foram Jussara Caçapava e Tino. Todos para a sala da Procuradoria.

Assessores da Prefeitura e de vereadores corriam pelos corredores. A informação era de que o vereador Ibaru Rodrigues, que não havia chegado ainda, tinha sofrido um infarto. Na verdade, ele estava escondido porque estava sendo ameaçado se não votasse na chapa encabeçada pelo vereador Felisberto Xavier e apoiada pelo Governo. Durante o dia chegou a passar mal e teria sido removido para a UPA.
A notícia, se confirmada, seria ótima para o Governo, pois um suplente do PSB poderia ser chamado e garantiria a vitória na eleição. A confusão na Sessão só aumentava conforme o tempo ia passando. Nos corredores do segundo andar estava o vereador até então licenciado Joaquim Fortunato. “Eu já apresentei o ofício para retomar o mandato e posso entrar na Sessão a qualquer momento”, disse para a reportagem. Diante do quadro, o suplente Tardeti não teria a presença validada. E ele seria o suplente a ocupar a vaga do suposto infartado Ibaru Rodrigues.
Secretário teria chamado vereador de pistoleiro e o chamado para brigar
A Sessão estava em andamento com o comando do 26º Batalhão de Polícia Militar usando a Tribuna Popular para fazer um relatório dos trabalhos quando uma nova ameaça teria acontecido. O secretário de Cultura, Esporte, Lazer e Turismo, Alécio da Rosa, que mora em Canoas, entrou sem ser autorizado no espaço destinado aos vereadores e teria ameaçado Marco Barbosa.
“O objetivo era criar tumulto e me chamou para a rua. Coisa de guri. Não sou guri para sair no soco. Fiquei sabendo que ele disse que o Governo vencendo a eleição ele iria assumir a Procuradoria para me ferrar. Veio me chamar de pistoleiro. Sou policial civil com muita honra. Vou tomar providências porque ameça é crime e tenho testemunhas que viram tudo”, disse na Tribuna.

Jornalista é intimidado
Ameaças e intimidações não ficaram restritas aos vereadores oposicionistas. O jornalista Roque Lopes, do site oreporter.net, estava no segundo andar acompanhando as movimentações quando o assessor e filho da vereadora Jussara Caçapava, conhecido como Teté, o abraçou.
O jornalista se desvencilhou e tentou seguir pelo corredor, mas o assessor se postava na frente dando barrigadas para impedir o avanço. Uma pequena confusão se formou e no grupo de CCs da Prefeitura e assessores de vereadores alguém disse que o repórter não poderia ver ou fazer fotos dos vereadores porque prejudicaria o Governo. Lopes não aceitou a intimidação, continuou fazendo o trabalho, e o assessor se afastou por um corredor.
Os governistas vistos no prédio da Câmara
Além dos vereadores João Tardeti, Jussara Caçapava e Luis Henrique Tino, a reportagem viu nos corredores da Câmara os governistas Deoclécio Mello, Felisberto Xavier, Joaquim Fortunato e o Líder do Governo, Cristian Wasem. Ele deixou o prédio minutos antes das 19 horas. “Só vou ali fazer um lanche e já volto”, disse para a reportagem no estacionamento da Câmara ao ser questionado se estava indo para casa. Ele não retornou.
“Eu podia ter morrido hoje”
O candidato oposicionista à presidência, Edison Cordeiro, relatou que poderia ter morrido nesta terça-feira. “Eu fui na casa pegar o Ibaru (Rodrigues) para uma reunião e ele me mandou embora. Eu podia ter morrido”, contou ao denunciar que alguém estava vigiando Ibaru. Cordeiro levou a família para Novo Hamburgo e não dormiria em casa nesta terça. O vereador Duda Keller também tirou a família de casa. “Eu não fui ameaçado, mas fiquei preocupado com a esposa, filhos e netos”, disse Alcídes Gattini.
Os oposicionistas desfiram críticas ao Governo Miki Breier e a manobra do bloco governista para a eleição da Mesa Diretora não acontecer na noite desta terça. E a cada pronunciando, eram aplaudidos, inclusive por integrantes do grupo de voluntários Grave. Mais de 100 integrantes foram até a Câmara para ver a votação de um projeto de destinação de área para a sede, que acabou não acontecendo. “Viemos aqui para ver a votação e infelizmente acabamos vendo esta vergonha”, disse uma integrante para a reportagem.
“Um Governo covarde que não vem aqui fazer o enfrentamento”, desabafou Rubens Otávio, salientando “que o mandato que vivemos é vergonhoso”. “Hoje é um dia muito triste para a cidade”, completou.

Chapa de Xavier estaria irregular
“É meu terceiro mandato e nunca vi uma vergonha dessas”, disparou Cordeiro. Segundo ele, somente sua chapa está inscrita regularmente pois possui todos os documentos exigidos. Mostrando uma folha, ele disse que ela era a inscrição da outra chapa encabeçada por Xavier. “A outra chapa entrou só com o memorando. Eu vou na Justiça”, avisou.
Vereador pede segurança para a BM
O vereador Duda Keller aproveitou a presença do comando do 26º BPM e pediu segurança para a Sessão Extraordinária que deve acontecer até a próxima sexta, prazo limite para a eleição da nova Mesa Diretora. Ele ainda convocou a população para lotar as dependências do Legislativo. Emocionado, Keller levantou o tom de voz: “A surpresa deles é que nós viemos ( na Sessão). Nós temos coragem. Vocês não vão ganhar essa eleição porque vocês não merecem estar sentados nessa cadeiras que deixaram vazias”, disse para Governistas ouvirem sendo muito aplaudido. Já alguns CCs, na platéia, riam.
Câmeras teriam sido desligadas
A vereadora Jacqueline Ritter informou na Tribuna que iria solicitar a filmagem das câmeras de segurança para comprovar o trânsito de sala em sala dos parlamentares governistas. Marco Barbosa, em um aparte, disse que não adiantaria: “Foram desligadas. Quero registro em ata que Tino, Deoclécio e Tardeti estavam aqui na Casa.”
Como fica a eleição da Mesa Diretora
Uma Sessão Extraordinária terá que ser convocada para a eleição da nova Mesa Diretora e ela deve acontecer até a próxima sexta-feira (20). Sem haver nenhum incidente, Xavier, que representa o Governo, perde. A oposição conquistou o voto do governista Paulinho da Farmácia chegando a maioria, ou seja, nove votos contra oito.
Durante os últimos dias, o Governo tentou conquistar votos de alguns oposicionistas, sem sucesso. Depois do que aconteceu nesta terça, dificilmente o quadro poderá ser revertido. A única possibilidade é se Ibaru Rodrigues, vítima de ameaças, pedir licença para tratar de assuntos particulares ou de saúde. Nesse caso, Tardeti, que virou suplente novamente com o retorno de Joaquim Fortunato, reassume. Nesse caso, o Governo passa a ter a maioria, ou seja, nove votos.
Há ainda um outro ponto que atrapalha o Governo: a possível irregularidade na inscrição da chapa de Xavier. Servidores chegaram a se negar em aceitar a inscrição pela falta de documentos e teriam sido ameaçados. “Tinha gente até armada aqui”, acusou um assessor de vereador oposicionista. Como a eleição não aconteceu, segundo um oposicionista, é possível que seja viável legalmente haver o complemento da documentação. Independentemente disso, Cordeiro já prometeu recorrer ao Judiciário.